Rodrigo Oliveira | Projecto a Solo na Arco Madrid 2018

21.fev.2018

A escultura/instalação de Rodrigo Oliveira, intitulada “Desintegração Derrisória”, é uma obra que pode ser interpretada como um ensaio sobre as condições de possibilidade da representação do devir. Ou seja, da mudança a que todos somos sujeitos na nossa condição de sujeitos subjetivos, mas também da mudança e da transitoriedade que, embora nos afetem, parecem aparentemente distantes de nós. Comecemos pela relação do título da construção arquitetónica “Transladação” com a instalação na sua totalidade: expressa alguma ambiguidade, senão mesmo uma certa ironia.

Por um lado, o movimento de um corpo jacente, transladado, e a “Desintegração” com que nos confrontamos ao olhar o espaço, que se torna mais denso e mais catártico quando entramos sob a iluminação de um estaleiro de uma construção. A presença do corpo neste espaço é afetada pelas marcas dos diferentes níveis residuais que estratificam um mapa vertical de acontecimentos e micro-acontecimentos como cesuras, que podemos associar à oscilação do nível da água, a diversas fases de uma qualquer edificação que desapareceu, e que também já não é uma ruína mas apenas uma métrica que resgata uma memória sem referências evidentes ou imediatamente identificáveis.

Mas por outro lado, a derrisão que Rodrigo Oliveira inscreve no título não é um ato trocista, mas sim um embuste que nos obriga a tentar responder à obra que nos envolve, porque esta é uma obra que propõe questões, diria até perguntas para as quais não existem respostas claras, concisas e imediatas. Por exemplo, que muros são estes? Serão barreiras? Da sua pré-existência restam marcas, sinais, relevos fósseis, rastos fluidos que se acumulam e sobrepõem de uma forma cumulativa. De que nos falam esses indícios, como signos que nos são próximos, mas simultaneamente distantes? Acresce ainda um escantilhão ampliado, intitulado “Plantilla (desintegración derrisória)”, que reintroduz o título da instalação e é constituído por regiões da Península Ibérica como se fossem desenhos abstratos que na escala original pudessem ser desenhados individualmente, em conjunto ou sobrepostos, reconfigurando a península.

Talvez aqui a derrisão faça então sentido sob a perspetiva de uma consciência política que reflete sobre a unidade e as suas partes, sobre a construção de uma totalidade e a sua fragmentação, que emerge nas sociedades atuais e se vai densificando como marcas, sinais de camadas, vestígios porventura identitários ou desejos utópicos.

Contudo, uma sonoridade característica de uma profissão pobre, já praticamente extinta, o amolador de facas e tesouras (que também consertava chapéus de chuva), acompanha-nos com uma melodia mensageira de um alerta. Este elemento da instalação, intitulado “Dicen que va a llover”, cria um vínculo com um outro tempo da vida urbana, em que esta era vivida sob a égide da presença relacional e aguardava o tempo futuro, que se fez presente, na mediação contínua e em tempo real das imagens e das sonoridades auto-portantes. Mas esta sonoridade artesanal é emitida por um megafone pintado numa cor visivelmente forte no contexto cromático e arquetípico da arquitetura que o artista construiu como uma matriz fragmentada.

Esta instalação é como uma ossada encontrada ao acaso, como outras que encontramos nas cidades que percorremos, como se fosse uma rememoração de um certo realismo mágico que, no contexto desta obra, nos convida, por exemplo, a revisitar José Saramago e A Jangada de Pedra. Poderá esta estar presente no escantilhão que nos oferece as formas singulares e individualizadas, mas ordenadas, das regiões ibéricas? Poderá esta arquitetura decadente refazer os muros que separam, mas que sob a voz ativista de um megafone gritam uma palavra de incitação para serem ultrapassados?

Escutemos as notas da melodia porque dizem que vai chover, e olhemos nas paredes a métrica, quase absurda, de uma temporalidade que nos devolve à realidade do que é efémero, sem perder de vista as utopias e a memória de um tempo relacional que se inscreve na arquitetura mais austera e nas incisões das paredes.

(João Silvério)