Shell Game
01.mar.2021 | 29.mai.2021
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Press Release
<p>O caranguejo-eremita, é um crustáceo sem concha própria, condenado a levar a vida como nómada, mudando constantemente de casca à medida que cresce. É bastante comum que um caranguejo-eremita encontre uma concha que parece o abrigo ideal, mas no qual não cabe completamente. O caranguejo então, permanecerá por perto, guardando a concha, até que outro caranguejo-eremita que caiba, a queira para si. Este é o momento em que a troca acontece, o primeiro caranguejo-eremita ocupa o antigo abrigo do outro, enquanto que o segundo leva a sua nova concha. Tudo isto acontece num ciclo infinito de troca, proteção e camaradagem.<br />
Partindo de um convite entre artistas, Shell Game é uma exposição que reúne pela primeira vez as obras de Andreia Santana (Lisboa, 1991) e Anna-Sophie Berger (Viena, 1989) na Galeria Filomena Soares em Lisboa.<br />
A exposição revela um imprevisível grau de intimidade através da troca de ideias e do diálogo frutífero entre as suas práticas.<br />
Shell Game é concebida a partir de obras já existentes que foram criteriosamente escolhidas e colocadas no espaço expositivo, permitindo uma multiplicidade de novas possibilidades através de uma relação, por vezes, subtil ou tensa entre ambas as práticas artísticas.<br />
Andreia Santana apresenta esculturas da série Soul House, inspiradas em rituais funerários egípcios, fazendo alusões à passagem da vida e aos seus ritos. Neste sentido, as Soul Houses ou Casas da Alma funcionavam como local de preparação para estes costumes do curso de vida e eram preparadas pelas famílias dos falecidos ao longo dos anos. As surpreendentes composições escultóricas em ferro de Santana, abrigam estes pequenos e frágeis “recipientes” de almas em vidro – sustentando-se mutuamente numa combinação que alterna entre sentimentos de robustez e uma sensação de extrema fragilidade. Auto-referência, intimidade e uma imensa consciência do familiar são alguns pensamentos que percorrem a exposição. O mesmo acontece quando nos deparamos com as obras de Anna-Sophie Berger. Nas quatro obras escolhidas para serem apresentadas em Shell Game, existe, apesar de todas serem de períodos diferentes, uma relação direta entre elas, especialmente quando lidas à luz do auto-retrato. ”What the Turtleneck Is to The Shirt” (2019) é um sensual poema-narrativo que descreve em detalhe o ato de despir-se lentamente revelando as características da pessoa debaixo da roupa; a fotografia “Portrait” (2019) retrata um rosto com dois ângulos, revelando a misteriosa simetria perfeita que nos faz ansiar pela verdadeira natureza da realidade assimétrica.<br />
Outro retrato, desta vez de 2018, partilha o título da obra anterior, mas exterioriza um lado mais privado da artista, frequentemente disfarçado, carregando no seu íntimo uma essência animal mais profunda. Por fim, a última obra faz parte de uma edição de cartazes, usada e dobrada, serve de adaptação para outra obra intitulada “A Sign in Decline”, que alude abertamente às relações entre o significante e o significado. A imagem de uma sinalização de trânsito com um rosto vermelho é mostrada em diferentes combinações e à medida que muda de expressão vai desaparecendo suavemente, um forte retrato dos dias que correm e da nossa relação com os sentimentos e a passagem do tempo.<br />
As relações entre ambas as práticas e as obras escolhidas para esta exposição também nos permitem ver como os projetos se desdobram (como um esboço ou um desenho) nos dias de hoje.<br />
Concebidas como “elementos mutantes”, as esculturas de Andreia Santana exprimem o seu inerente estatuto fluído e as suas características vitais para prolongar outros tipos de existência no futuro. São etéreas e intangíveis, como que se de animais desconhecidos ou talvez mesmo humanos com qualidades insondáveis se tratassem, uma vez que carregam nomes próprios – Luís, Pedro, João, Henrique, Pia, Hugo – não nos sendo dada nenhuma outra informação para além desta identificação, quiçá almas em trânsito. Estas obras, que incorporam um sentido do celestial, tomam nesta exposição uma amplitude completamente nova, em comparação com quando mostradas anteriormente, em “The Skull of the Haunted Snail” (Hangar, Lisboa, 2020). As obras de Santana procuram abrir um espaço para um poder contra-discursivo que possibilite o desencadeamento de novas historiografias, contra-mitologias e utopias. Ao serem colocadas em relação direta com os retratos inquietantes e furtivos de Anna-Sophie Berger, a perceção das esculturas é de certa forma interrompida e transformada, passando a capturar algo de impercetível, outras formas de vida, ou até conceitos pós-morte. Isto acontece devido à meticulosa prática de Berger e à forma como os conceitos são directamente convertidos e interpretados. Os seus retratos atuam como conceções imaginárias de espaço para a nossa imaginação.<br />
Esta relação quase natural que presenciamos na exposição funciona um pouco da mesma forma que as conchas do caranguejo-eremita.<br />
Uma sucessão infinita de corpos inertes à espera de serem habitados por uma alma passageira com o porte certo, servindo-se dela para depois, quando pequena demais, ser entregue a uma outra alma, deixando o ciclo seguir o seu curso. A exposição é mantida viva, tal como o caranguejo-eremita, como um produto vibrante de um mundo de associações.<br />
Recuando até a Grécia Antiga, Shell Game ou o Jogo da Concha, também conhecido como Thimblerig, é uma das mais antigas formas de truques manuais fraudulentos ou burlas. Neste simples jogo de entretenimento concebido para enganar quem assiste – que precisa de adivinhar em qual das três conchas está escondida a ervilha – pratica-se um truque enganador, outrora considerado um jogo de apostas, revelando nada mais do que um truque de confiança. Shell Game tornou-se assim um termo popular para “truque” e surgiu, enquanto título, após uma partilha de pensamentos e ideias entre as duas artistas, que chegaram ao ponto de mencionar a lenda de Pitágoras e as favas proibidas. Se pensado no seu significado primário e literal, Shell Game é um jogo de habitação, de proteção e de auto-afirmação.<br />
A humanidade percorre um caminho parecido a estas necessidades e o mesmo se passa com a presente exposição – desde ficar à espreita rondando as Soul Houses de Andreia Santana, até ao sermos confrontados, como que olhando para um espelho, com as análises internas de Anna-Sophie Berger, Shell Game não é nada menos do que um lugar de verificação de identidade. A resiliência é obrigatória.</p>
<p>Luiza Teixeira de Freitas</p>
<p>Andreia Santana (1991, Lisboa) vive e trabalha em Nova Iorque. Licenciada em Artes Plásticas na ESAD – Escola de Artes e Design de Caldas da Rainha, foi participante do Programa de Estudos Independentes em Artes Visuais da Maumaus em Lisboa e é actualmente bolseira do programa de Studio Art da CUNY, Nova Iorque. Tem participado em vários programas de residências artísticas, nomeadamente a Residency Unlimited (Nova Iorque) com bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, Panal 360 (Buenos Aires) e Gasworks – Triangle Network no Hangar (Lisboa). Foi vencedora do Prémio Novo Banco Revelação, nomeada para o Ducato Prize (Itália) e foi recipiente de bolsas incluindo a Fulbright/Fundação Carmona e Costa, Criatório – CMP, Amadeo Souza Cardoso, e Fundação Calouste Gulbenkian – Delegação de França, entre outras.<br />
Expõe regularmente em Portugal e no estrangeiro, com destaque para as exposições: ‘The Skull of the Haunted Snail’, Hangar, Lisboa; ’Hollow Hands’ no Spazio Leonardo, Generali Milano; ‘The Outcast Manufacturers’ Galeria Filomena Soares; 10000 anos entre Venus e Marte, Galeria Municipal do Porto; ‘Cultivated Memory’, Peninsula Gallery. Nova Iorque; ‘História da Falta’ no Museu de Arte Contemporânea de Serralves; ‘Ponto de Fuga’, Cordoaria Nacional; ‘Ghost of Chance’, La Nave, Madrid; ’10 Anos, 10 Artistas, 10 Comissões’, Chiado 8, Lisboa; ‘Now It Is Light’ Galeria da Boavista, Lisboa; ‘The Lobster Loop’, MONITOR, Lisboa.</p>
<p>Anna-Sophie Berger (1989, Viena) é licenciada em Moda e Transmedia Art pela Universidade de Artes Aplicadas de Viena. Berger tem exposto individualmente o seu trabalho em instituições como Bonner Kunstverein, Bonn (2020); Cell Project Space, Londres (2019); mumok, Viena; Kunsthaus Bregenz (2016); Ludlow 38, Nova Iorque (2015).<br />
Anna-Sophie Berger participou também em exposições na Kunsthalle Wien (2019,2017); S.M.A.K, Ghent (2018); Kunstverein München; Kestnergesellschaft, Hannover (2017), Salzburger Kunstverein (2016) e na 9th Berlin Biennale (2016). Uma das suas futuras exposições será no Museu MACRO em Roma, no outono de 2021. Berger foi galardoada com o Prémio Art Viva (2018) e com o Prémio Kapsch Contemporary Art, mumok – Museum Moderner Kunst Stiftung Ludwig, Viena. Berger vive e trabalha entre Nova Iorque e Viena.</p>