Rodrigo Oliveira | Ninguém podia dormir na rede porque a casa não tinha parede
18.nov.2010 | 16.jan.2011

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<p>Rodrigo Oliveira apropriou-se dos versos de “A Casa” de Vinicius de Morais para alegoricamente intitular este novo projecto constituído por um conjunto de obras realizadas especificamente para a exposição voltando a surpreender-nos pela criatividade e infinita diversidade de materiais de que se serve para concretização plástica das suas ideias</p> <p>A exposição inicia com “Blindex (1535-143 AD)” (2010) uma instalação interactiva constituída por uma série de eixos com portas giratórias espelhadas em que cada porta é formada por outras portas.</p> <p>No seguimento de trabalhos anteriores e das pesquisas conceptuais que têm acompanhado as suas reflexões artísticas, mostra-nos uma vez mais o resultado visual da união da arquitectura com a escultura e a consequente relação com o espaço e sua percepção, tornando-se o termo Blindex pressuposto de um jogo de semântica intrinsecamente relacionado com o entendimento da obra. À cegueira (blind) imposta pelos reflexos corresponde à convocação, para primeiro plano, do corpo do espectador e do lugar que ocupa na vivência do espaço da estrutura.</p> <p>O subtítulo da peça, por sua vez, remete para o ponto de partida referencial do artista: 1535-143 AD é o número de inventário de uma fotografia[1] do filme The secret Beyond the Door (1948) do realizador Fritz Lang na qual a personagem interpretada por Joan Bennett surge encostada a uma porta de proporções desmesuradas e perspectiva deformada criando tensão psicológica e desconcertando o campo visual da imagem.</p> <p>Servindo-se da interactividade e da duplicação, criou módulos transportáveis que formam um conjunto que controverte as produções herméticas contemporâneas desafiando o espectador a tornar-se parte integrante da obra num exercício sensorial e de experimentação. Em “Blindex (1535-143 AD)” o visitante inicia um trajecto sem destino em que o confronto com a sua imagem nos espelhos e a presença da arquitectura sentida pelos espaços interstícios das portas circulatórias nos recorda o elemento fundamental da narrativa do filme que inspirou a peça, “o mistério da porta”. As portas não abrem nem fecham, rodam e criam espaços intermédios accionados pelo espectador que percorre o espaço assombrado pela sua própria imagem multiplicada e fragmentada nas superfícies reflectoras num jogo óptico inesperado.</p> <p>O visitante vai e volta, circula e comunica com o espaço, mas o que está por detrás das portas? Onde os leva este percurso? Dejà vu? Não sabe mas a experiência ficar-lhe-á na memória…</p> <p>Ainda na sala principal da galeria uma outra instalação interactiva – “Capanema” (2010) – atesta a hábil capacidade do artista de se apropriar de uma quantidade ilimitada de matérias e objectos que descontextualiza da sua primordial função e transpõe para o campo das artes plásticas. Temos assim o conceito do ready made com a improvisação subjacente a essa estratégia artística e ainda um outro exemplo da combinação da escultura, instalação, arquitectura e mecânica com o intuito de estabelecer um diálogo entre o espectador, obra e espaço.</p> <p>Esta instalação é composta por duas peças que se complementam. Uma, suspensa no tecto, é constituída por uma estrutura de metal com sistema basculante e forrada com tecidos de espreguiçadeiras de praia, criando um toldo multicolor formado por diversas palas que se movem e reconfiguram através de uma manivela, possibilitando ao espectador um papel interactivo na configuração da peça. A investigação do legado modernista está presente nos padrões que nos reportam para os esquemas geométricos modernistas e o ponto de partida da obra é contextualizado pelo quadro instalado na parede próxima e que, refira-se, representa o segundo elemento da instalação.</p> <p>Neste elemento gráfico é evidente a analogia com os quadros informativos que encontramos nas entradas dos prédios e edifícios públicos, mas aqui o fundo de feltro mostra-nos uma reinterpretação de um desenho que o arquitecto paisagista Burle Marx realizou para os jardins tropicais dos terraços do Palácio Gustavo Capanema. Esse edifício, outrora sede do Ministério da Educação e Cultura no Rio de Janeiro, foi projectado por uma equipe de arquitectos[2] pioneiros na introdução da arquitectura moderna no país seguindo alguns princípios arquitectónicos sugeridos por Le Corbusier nomeadamente as palas de sombreamento reguláveis em amianto que encontramos na fachada norte: o brise-soleil, dispositivo arquitectónico atribuído ao arquitecto suíço.</p> <p>Rodrigo Oliveira tira partido do simbolismo e associações culturais óbvias em alguns objectos e materiais e intervém alterando as suas propriedades físicas, subvertendo consequentemente a sua significação e admitindo, por último, que o quotidiano se torne uma escultura!</p> <p>As obras expostas na segunda sala da galeria dão continuidade a estas reflexões plásticas e relacionam-se directamente com “Blindex (1535-143 AD)” e “Capanema” num trabalho de continuidade e coerência.</p> <p>“Cada casa é um caso (arquivo geral)” (2010) parte da recorrente investigação de esquemas arquitectónicos e sistemas habitacionais presentes nos modos de organização residencial das sociedades modernas de acordo com um ideário rigidamente moderno: modularizado, rectilíneo e racional. O unité d`habitacion, seja alusivo a uma habitação social ou a um condomínio, é novamente importado e cada caixa corresponde a uma varanda e por sua vez a uma casa. Este arquivo-gaveta que regista e arquiva distintas realidades privadas que não sabemos o que escondem volta ao clássico cinematográfico de Fritz Lang e à história do arquitecto que colecciona salas onde ocorrem crimes!</p> <p>Por último, e ainda na segunda sala, um conjunto de Fachadas assimétricas mostra-nos ensaios de estruturas arquitectónicas que ligam a arquitectura a problemáticas da história da pintura. Conceptualmente têm origem num programa previamente elaborado em que as referências são estruturas e desenhos de projectos de arquitectura, em particular de Corbusier. Nestas obras, declaradamente como na instalação “Capanema”, são as fachadas o elemento arquitectónico a prevalecer pois tanto o brise soleil como as estruturas monumentais em betão que Corbusier edificou por exemplo em Chandigarh (Índia) mais que arquitectónicas são escultóricas!</p> <p>O emprego de superfícies reflectoras e transparentes ao mesmo tempo que introduz variação e dinâmica, destabiliza a realidade e reconstrói o espaço circundante, alterando, deste modo, o campo visual: abrem novos planos, expandem e comprimem o espaço, subvertem e multiplicam a sua percepção e têm ainda a importante função de proporcionar uma identificação entre a obra e o espectador.</p> <p>Em “Ninguém podia dormir na rede porque a casa não tinha parede” voltamos a ter arquitectura, forma, estrutura e vivência do espaço, denominadores comuns do trabalho do artista Rodrigo Oliveira concretizados em “esculturas e instalações que no seu rigor, elegância formal e aparente frontalidade, escondem sempre um complexo sobrepor de sentidos, e vêm quase sempre acompanhadas de grandes doses de humor, muitas vezes corrosivo e nunca isento de crítica[3]”</p> <p>FICHA TÉCNICA DAS OBRAS</p> <p>[1] Imagem de pesquisa capa do livro Sexuality & Space investigadora e professora de arquitectura Beatriz Colomina, ed. Princeton Papers on Architecture press, Nova Yorque, 1992</p> <p>[2] Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Jorge Machado Moreira, Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão e Ernani Vasconcelos</p> <p>[3] Ricardo Nicolau “Atenção” in catálogo da exposição Joke, Satire, Irony and Serious Meaning, European Triennial of Small-Scale Sculpture, Gallery of Murska Sobota, Eslovénia, curadoria: Thomas Deckee</p>

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