João Penalva
14.mai.2009 | 04.jul.2009
Press
Press Release
<p>«Nos seus trabalhos, João Penalva lida com acontecimentos reais que investiga até ao último detalhe, para os associar a ideias e discursos fictícios que ele transmite através de textos. As referências que incorpora são cuidadosamente pensadas, sejam elas pessoas, lugares, filmes, textos ou músicas. É com a mesma subtileza que Penalva aplica os seus recursos artísticos, que incluem sempre uma reflexão sobre o próprio meio, seja este a fotografia, o filme ou a escrita.</p>
<p>Entrançado nesta complexa teia de relações entre imagens e palavras está a realidade e a ficção, de tal modo que o público se encontra numa zona imaginária de transição construída pelo artista, uma zona carregada de narrativa. Este espaço indefinido oscila entre a contemplação, a melancolia e a nostalgia sonhadora, entre o desejo fetichista e o voyeurismo, entre a distância e a proximidade. Trata-se de um espaço virtual no qual o artista evoca emoções, percepções e histórias – misturando-se as suas próprias com as das memórias e fantasias do espectador. São produções encenadas que fascinam, mas que também perturbam ou, nas palavras de Isabel Carlos: “Tratam da tentação à qual ninguém, confrontado com estas peças, resiste, uma vez que elas oferecem uma diversidade de interpretações e significados possíveis, uma sucessão quase infinita de versões e perspectivas narrativas. É um mundo de coincidências no qual o descrente tropeça, um mundo de zonas de perigo onde o real e o irreal se entrecruzam continuamente.[1]”</p>
<p>Uma série de fotografias tiradas por João Penalva no guarda-roupa do Hessisches Landestheater em Wiesbaden, em 2007, traz-nos o teatro através da fotografia, num processo altamente sugestivo. As fotografias estão dispostas em quadros, criando uma relação performativa entre o público e os objectos – os sapatos, as peças de roupa, uma boa de penas, mas também um resguardo de tecido que não deixa ver o objecto que protege, captados em filme como meros fragmentos.</p>
<p>Sob a direcção de Penalva, através das suas escolhas de ângulo, detalhe ou iluminação, tudo roda em torno do que se esconde e do que se mostra, da sugestão e a revelação de uma possível história, um drama ou mini-drama, dependendo da imaginação do espectador. Faz-nos lembrar o Feiticeiro de Oz, do mesmo modo como nos recorda a cena em que Jeffrey Beaumont se esconde no armário de Dorothy Vallens no filme de David Lynch, Blue Velvet.</p>
<p>A composição do quadro fotográfico, os formatos das imagens e o desenho antiquado das molduras, semelhantes a vitrinas, colocam o visitante não só numa relação visual, mas também física. Ferramentas estruturais que a fotografia e o filme têm em comum com o conceito de psicanálise, como a sobreposição, a transferência, a deslocação, a retrospecção ou o flashback, estão na base do pensamento artístico de Penalva, determinando os conteúdos e metodologias do seu trabalho. Ao desmontar, detalhar, editar ou destacar especificamente um objecto particular, por exemplo através da ampliação – uma das peças de vestuário é desproporcionadamente grande em relação às outras – e do recurso à cor, este artista dá início a um processo que desencadeia algo muito diferente de um olhar documental sobre um guarda-roupa de teatro. Penalva fotografou os fatos a cores, etirando-lhes depois as cores até quase as tornar monocromáticas, um efeito algo perturbador que é ainda mais realçado pelo facto de alguns dos objectos – por exemplo, alguns sapatos ou um fato com um padrão às bolas – terem realmente muita cor. Parecem ter sido pintados à mão; ambos são processos de inversão na história das técnicas fotográficas, que dão aos objectos o brilho subtil da transitoriedade.</p>
<p>De acordo com Roland Barthes, a fotografia toca a arte não como uma pintura, mas como um teatro, e ele vê esse ponto de contacto como uma analogia com a morte. Através da maquilhagem, o actor cria uma personagem que Barthes vê como uma “entidade simultaneamente viva e morta”, “um teatro primitivo”, um “Tableaux Vivant”: uma “figuração do rosto inerte e pintado através do qual se vê o morto.”[2] Em fotografia, a morte sempre se manifestou como uma morte antecipada e, nas palavras de Barthes, “esse furor de ‘dar a vida’ só pode ser a sua negação mítica”.[3]</p>
<p>Na arte de João Penalva, na sua poética visual e linguística, a questão é sempre transcender este conhecimento da morte. Ele adopta como tema a transitoriedade estruturalmente inscrita na fotografia ao transformar os objectos ou as pessoas que aparecem nas suas peças e transpô-las para outro lugar, um lugar onde o tempo parece estar suspenso. Ele desloca-as esteticamente para um estado de limbo, no qual o fascínio, a melancolia e o desejo pelo estado ideal estão inexoravelmente interligados».</p>
<p> A respeito destes trabalhos será, porventura, valioso citar ainda um excerto do escritor e historiador de arte Carl-Mikael Lagerström:</p>
<p>«Estas imagens fotográficas carregam uma ambivalência desconfortável, quase obscena. Se o fato pendurado mostra a ausência do corpo de uma forma não dramática, os sapatos, e especialmente pilhas anónimas de sapatos, enunciam a trágica miséria das catástrofes humanas. O facto destas imagens conduzirem o observador tanto aos signos utilizados para ler a estética da fotografia de moda como, sem qualquer alteração de emoção em particular, aos do documentário do horror, pode bem ser a medida da indiferença ou da imunidade que o público desenvolveu em relação ao olhar da câmara sobre o drama, seja este real ou encenado.[4]»</p>
<p>Relativamente aos livros de artista, expostos em convívio com os trabalhos fotográficos, recordemos um outro excerto do texto que Katharine Stout escreveu na monografia publicada no âmbito da exposição que o artista realizou em 2007 na Mead Gallery: </p>
<p>«Somos, uma vez mais, convidados a observar cuidadosamente e a abrandar o nosso olhar, desta vez para tocar e sentir efectivamente as imagens enquanto as estudamos sob a forma de livro. Estes livros apresentam diferentes tipos de imagens. Um deles, por exemplo, exibe uma sequência de fotografias tiradas a pessoas nas ruas de Taipé, com um estilo que faz lembrar um filme de vigilância da década de 1970. Outra série reproduz detalhes de uma imagem retirada de um filme de espiões dos anos trinta, realizado nos estúdios cinematográficos de Shepherd’s Bush. Aquilo que normalmente passaria numa fracção de segundo é agora dissecado e examinado pormenorizadamente, como se fosse uma prova forense de uma cena de guerra que ocorreu na realidade. Outra ainda mostra uma imagem de início do século XX de uma secretária com dois homens sentados, um de cada lado, em poses de trabalho de escritório. […] Todas estas imagens são apresentadas fora do tempo e fora do lugar, e cada uma delas exige um ritmo diferente e uma forma de ver própria. Todas elas retratam um certo tipo de espaço, um tipo de espaço que parece ser particularmente adequado à descrição daquilo a que Henri Lefebvre chama “espaço representacional”, o “espaço vivido directamente através dos seus símbolos e imagens associativas… um espaço que a imaginação procura alterar e do qual tenta apropriar-se.” [5]» </p>
<p>No Espaço 2 da Galeria, João Penalva apresenta a instalação No palco, uma figueira, 2009 e Petit Verre, um teatro automatizado de som e sombras de 2007.</p>
<p>João Penalva realizou a sua última exposição individual na nossa Galeria em 2006. Desde então, expôs individualmente no Irish Museum of Modern Art, em Dublin, em 2006; na DAAD Galerie, em Berlim, e Mead Gallery, University of Warwick, no Reino Unido, em 2007; na Solar – Galeria de Arte Cinemática, Vila do Conde, e Galerie Thomas Schulte, Berlim, em 2008; e na Barbara Gross Galerie, em Munique, em 2009.</p>
<p>Das colectivas em que participou entre 2006 e 2009, destacamos exposições no Centro Galego de Arte Contemporánea, Santiago de Compostela; Museu da Electricidade, Lisboa; Museu Serralves, Porto; Irish Museum of Modern Art, Dublin; Ludwig Museum, Budapeste; Musée d’Art Moderne Grand-Duc Jean, Luxemburgo; Frac Languedoc-Roussillon, Montpellier; Museu da Cidade, Lisboa; New Langton Arts, San Francisco; Australian Centre for Contemporary Art, Melbourne; Frac Ile-de-France, Le Plateau, Paris; Espace EDF/Electra, Paris.</p>
<p>Referimos por último, que o artista recebeu recentemente o prémio The Bryan Robertson Award em Londres e que a sua próxima exposição individual terá lugar no Lunds Konsthall, em Lund, na Suécia, em Janeiro de 2010.</p>
<p>[1] Isabel Carlos, discurso na inauguração da exposição de João Penalva na Galerie im Taxispalais, Innsbruck, 2000</p>
<p>[2] Roland Barthes, A câmara clara: nota sobre a fotografia, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984, pp. 52-53</p>
<p>[3] Ibid., p. 53.</p>
<p>[4] Carl-Mikael Lagerström, ‘Den teatraliska kameran’ [A camera teatral], in Kontext, vol. 32, p.24, Gotenburgo 2008</p>
<p>[5] Katharine Stout, Morgan Fisher, João Penalva, Mead Gallery, University of Warwick, 2007. Katharine Stout é escritora e curadora na Tate Gallery, Londres, desde 1999 e directora/fundadora de The Drawing Room, em Londres, desde 2000.</p>