Jean-Marc Bustamente | Pedigree
22.jan.2009 | 07.mar.2009
Press
Press Release
<p>Fotossensível</p>
<p>“Não falo dizendo eu, é algo de mais longínquo”</p>
<p>Jean-Marc Bustamante</p>
<p>Quadros / Esculturas / Luzes / Something is missing / Panoramas / Troféus: este é o glossário que o próprio artista foi construindo.</p>
<p>Apesar da sua aparente simplicidade, o seu uso requer algumas precauções, já que cada uma destas palavras ou locuções não veicula um significado definido, designando, antes, um campo de exploração e de percepção, uma problemática, bem como materiais e técnicas de trabalho.</p>
<p>A ordem segundo a qual estes títulos são citados aqui refere-se apenas à cronologia da sua obra. Os “quadros” aparecem no final dos anos 70; as “esculturas” no final dos anos 80 (se exceptuarmos a sua colaboração com Bernard Bazile de 1982 a 1987). Este termo genérico abrange conjuntos de obras ou variações como: “Intérieur” [Interior], “Aller-retour” [Ida e volta], “Paysages ” [Paisagens], “Sites” [Sítios]. A série “Lumières” [Luzes] começa em 1987; a que foi intitulada “Something is missing” [Falta alguma coisa], em 1995. Os primeiros “Panoramas” datam do final dos anos 90; os primeiros “Trophées” [Troféus], de 2005.</p>
<p>As precauções referidas são tanto mais necessárias quanto estas palavras contradizem ou subvertem o uso corrente que delas fazemos.</p>
<p>Os “quadros” são fotografias emolduradas produzidas com película de grande formato (20×25 cm). As primeiras tomadas de vista são realizadas durante deslocações à zona limítrofe dos bairros que se erguem nos subúrbios de Barcelona. Um pouco de terra remexida, algumas árvores, vestígios de vegetação debaixo de um céu azul ou nublado: lugares neutros, silenciosos, sem qualidades notáveis, onde figuram algumas construções, um muro em edificação, ou ainda materiais de construção ainda não utilizados. Por vezes, encontramos abundantes composições frontais inteiramente obstruídas por uma frondosa folhagem. Estes grandes formatos (103×130 cm ou 146×117 cm) sem “tema particular”, caracterizados por uma luz estática e um detalhe notável, abrem um caminho que conduz, para lá da imagem e do real, ao que Jean-Marc Bustamante denomina um “objecto mental”. Estes “Instantâneos lentos”, artista dixit, estão na origem – será preciso lembrá-lo? – da fotografia de arte e constituem um trabalho precursor sem equivalente.</p>
<p>Já as esculturas parecem-se com objectos ou com nada em concreto. Há uma espécie de camas-gémeas, de mesas, de expositores ou de caixas que, por vezes, contêm impressões fotográficas. Certas formas parecem ter transitado do campo das suas próprias fotografias para o da escultura. Madeira, cimento, aço, vidro, chapa metálica com fixações visíveis: os materiais são utilizados em bruto, por vezes cobertos de mínio. Estas estruturas podem ser instaladas num recanto, colocadas no espaço, no chão, erigidas ou penduradas na parede. Transparência / opacidade, verticalidade / horizontalidade: o olhar ora é difractado pela estrutura que atravessa, ora é concentrado; nesse caso, a obra age como um “receptáculo para os olhos”.</p>
<p>As “Luzes” são fotografias de fotografias dos anos 30 ou 40, serigrafadas a tinta preta sobre placas de vidro acrílico. Mais recentemente, há também imagens tiradas da internet, cuja cor, matéria e formato são subtilmente adulterados. As placas serigrafadas são afixadas com uns ganchos metálicos a alguns centímetros da parede, revelando assim o seu contraste latente. Estes “espaços no espaço” são, diz o artista, “um mundo que se revela”. Uma mão estendida na direcção de um interruptor, uma sala de aulas, um recreio, um balneário: imagem-memória, imagem-vestígio, imagem-pegada onde aparecem lugares por vezes ligados à infância. Simultaneamente próximas e longínquas, imediatas e antigas, o que importa nestas imagens não é tanto o seu tema quanto a sua presença material.</p>
<p>Os “Panoramas” são pendurados nos cimácios – e revelam-se – tal como as “Luzes”. São desenhos coloridos, abstractos ou figurativos (esquemas, rabiscos ou camadas de tinta) realizados a caneta de feltro sobre papel milimétrico que, em seguida, são aumentados e serigrafados em cores vivas sobre Plexiglas transparente. Tal como no verre églomisé[1] ou na pintura sob vidro, as cores opacas aplicadas no reverso do vidro adquirem uma consistência e um brilho particular. O prazer imediato e a jubilação do gesto e da cor são tão sensíveis quanto o paciente e delicado trabalho que preside à sua elaboração.</p>
<p>Mais próximos da escultura que da pintura, os “Troféus” são placas de Plexiglas monocromáticas encastradas em chapas de aço galvanizado. O metal é cortado com um maçarico, seguindo um traço recortado segundo um desenho prévio. “Troféu”: designação singular que reenvia tanto para a materialidade da obra como para o carácter aleatório de uma forma justa dificilmente conquistada.</p>
<p>Por último, “Something is missing” constitui um conjunto aberto – um trabalho em curso – que junta fotografias tiradas por uma máquina 24×36. O artista tira as suas fotos durante as viagens que faz, sem premeditação e sem quaisquer precauções. Os pontos de referência e os elementos visíveis que elas contêm são bastante singulares, mas insuficientes para dar uma informação precisa sobre o local fotografado. Uma parede com um cartaz, um canto de rua, carros estacionados, uma torre ao longe: entre imersão e retiro, palavras e silêncio, aqui e além, o que apreendemos é o ponto de inserção e a abertura de um olhar.</p>
<p>É importante sublinhar que estes diferentes corpus de obras se desenvolvem concomitantemente. Uma questão eclode num campo; invariavelmente, ela gera um outro. Uma forma nunca aparece sem incidir sobre as que a rodeiam. Quando uma técnica de trabalho surge, uma outra entra em ressonância com ela. Embora cada obra funcione autonomamente, ela estabelece uma inter-relação com as outras. Esta multi-dimensionalidade do trabalho é o objecto de inúmeras experimentações feitas pelo artista. Cada exposição, por exemplo, é uma ocasião para “reactivar” os seus trabalhos, as suas potencialidades latentes, propondo novas leituras, novas exegeses.</p>
<p>No seio deste conjunto complexo em movimento, a fotografia age, segundo Jean-Marc-Bustamante, como a “forma primordial do trabalho”; ela é um suporte “pré-reflexivo, pré-lógico” ao qual tudo o resto (o desenho, a pintura, a escultura, a instalação) se liga organicamente.</p>
<p>Sensível diz-se da chapa ou da película fotográfica. Manifestamente, este termo aplica-se também àquele que as emprega.</p>
<p>David Rosenberg</p>
<p>Paris, Dezembro de 2008</p>
<p>[1] Técnica na qual o verso do vidro é gravado e forrado a folha de ouro, o qual foi muito popular em finais do século XVIII e era utilizado sobretudo para produzir espelhos muito decorativos (NT).</p>