Angêla Ferreira | Carlos Cardoso - directo ao assunto
24.mar.2011 | 22.mai.2011
Press
Press Release
<p>Ângela Ferreira</p>
<p>Carlos Cardoso – directo ao assunto</p>
<p>24.03 – 21.05.2011</p>
<p>A Arte é uma forma de comunicação. Ciente dessa prerrogativa Ângela Ferreira reafirma a importância da liberdade de expressão como um direito humano e pressuposto fundamental da democracia a partir da fatídica história de um jornalista moçambicano.</p>
<p>Nascida no Moçambique colonial, com formação artística na África de Sul do apartheid, o colonialismo, pós-colonialismo e respectivas ressonâncias contemporâneas têm sido questões fundamentais no discurso artístico de Ângela Ferreira que no projecto expositivo intitulado “Carlos Cardoso – directo ao assunto[1]” convocam uma reavivada abordagem. </p>
<p>Instrumentalizando a arte e exercendo através dela uma leitura critica, a artista tem procurado posicionar-se numa atitude politicamente activa sustentada num trabalho investigativo e de experimentação contínuo. Por conseguinte e no seguimento da direcção artística e pesquisa de trabalhos anteriores, designadamente da última versão do projecto “For Mozambique” e da recente escultura “Cape Sonnets” no âmbito do projecto de arte pública Utopia and Monument II do Festival de Graz, a artista propõe uma Torre – Rádio em alumínio com megafones que transmite duas peças radiofónicas de cunho militante e activista em que Carlos Cardoso participou como actor e ainda hoje ocasionalmente difundidas. Volvidos dez anos desde o homicídio do jornalista, a presença da sua voz, instrumento primordial de uma mensagem politica e verdadeira ferramenta de poder, ressoa pelo espaço da galeria perpetuando a(s) palavra(s) do propulsor do jornalismo de investigação em Moçambique.</p>
<p>Cinco esculturas de chão remetem formalmente para os aparelhos dos faxes celebrando a importância do Mediafax fundado por Carlos Cardoso – publicação que na emergência da era do pluralismo informativo, desafiou os media oficiais divulgando informação colectada de forma independente sobre temas considerados inatacáveis e fazendo cobertura dos principais acontecimentos com acutilância e verdade. Esculturas instalativas que se assumem como monumentos que recordam a vida e a luta de um intelectual, herói de um povo e de uma utopia política. A exposição compreende ainda um conjunto de registos fotográficos do memorial inaugurado em 2010 na Avenida Mártires da Machava (Maputo) em homenagem ao jornalista.</p>
<p>A reinterpretação da gramática construtivista continua presente na estrutura física das obras e na sua multifuncionalidade enquanto transmissores de uma mensagem recordando, em última instância, a abordagem critica, inequivocamente politizada, de que a artista se serve para realizar obras que potenciam a reflexão e levando-nos a interrogar a nossa percepção do mundo contemporâneo. E de facto, a contemporaneidade dos argumentos de Ângela Ferreira é indiscutível e se o seu trabalho tem origem em tempos e lugares longínquos as premissas que o sustentam reconduzem-no para o tempo actual, o tempo do espectador e da artista.</p>
<p>Nesta exposição, como na maioria dos projectos que realizou, a celebração de um momento histórico excede os limites da instalação e da escultura evidenciando uma reflexão de fundo e uma notória preocupação em situar teórica e criticamente o seu trabalho.</p>
<p>Carlos Cardoso (1951-2000)</p>
<p>Carlos Cardoso, filho de portugueses que se estabeleceram em Moçambique durante o período colonial, nasceu em 1951 na cidade da Beira, província de Sofala. Mercê de uma juventude contestatária depressa se ligou à vida política e ainda estudante na África do Sul tornou-se um fervoroso opositor do regime do apartheid levando à sua deportação para Portugal. Regressado a Moçambique, iniciou-se no jornalismo na revista “Tempo” no mesmo ano em que o país conquistou a sua independência (1975) tornando-se num activo defensor da Frelimo e do seu projecto revolucionário. A militância política e activismo social que pululava das suas peças não agradaram ao partido que o transferiu para a Rádio Moçambique onde chegou a actuar em dramas radiofónicos. Posteriormente foi nomeado editor da agência noticiosa estatal (AIM) em estreita colaboração com o governo e com o então Presidente Samora Machel. Alguns acontecimentos, designadamente a morte do líder moçambicano, estarão seguramente na origem de um interregno na actividade jornalística e no afastamento da Frelimo, período em que se dedicou à pintura[2] e à poesia.</p>
<p>A Frelimo tinha introduzido um sistema de partido único e a posterior organização da Resistência Nacional Moçambicana levou ao eclodir de uma guerra civil no país que se estendeu durante dezasseis anos cessando com o acordo de paz de1992 que admitia um sistema de democracia multipartidária, confirmava a Renamo como partido político e reconhecia uma nova constituição. As empresas estatais foram privatizadas e a liberdade de expressão e de constituir partidos políticos tornaram-se direitos protegidos pela constituição.</p>
<p>A nova situação política animou a classe jornalística levando Carlos Cardoso e um grupo de intelectuais a fundar um jornal independente e livre do domínio estatal e governamental: O mediaFAX[3] (1992), o primeiro diário a servir-se do fax como meio de difusão. A ideia de um jornalismo telefax, via que se afigurava mais parcimoniosa, rapidamente revolucionou a imprensa moçambicana, tornando-se numa publicação de referência e leitura obrigatória, não apenas por se tratar do primeiro jornal independente do país, como também por reflectir o carisma interventivo e investigativo de Carlos Cardoso[4], seu editor.</p>
<p>Moderada a exaltação pós-independência, o mediaFAX intervinha criticamente no processo de democratização do país e revelava o pluralismo e disparidades da sociedade moçambicana. Pela sua ética profissional, atitude analítica e de investigação, constituiu um marco histórico e revolucionário na imprensa moçambicana, instituindo o jornalismo investigativo no país e denunciando actividades ilegais do governo.</p>
<p>Mais tarde, abandona o Mediafax e institui um novo diário divulgado por telefax e por correio electrónico, o Metical, descortinando crimes de corrupção, fraudes, tráfico de droga e lavagem de dinheiro que envolviam importantes dirigentes da Frelimo. Antes do seu homicídio, a 20 de Novembro de 2000, estava a conduzir duas investigações: uma sobre o Banco Austral e o Banco Central Moçambicano e a outra sobre a corrupção do imobiliário em Maputo.</p>
<p>Três dias depois O Metical[5], em edição especial, declarava “O “mt” (Maputo) está de luto. De luto está a informação moçambicana que se quer séria e interveniente. De luto está a frágil democracia moçambicana. Mataram Carlos Cardoso. Não foi um assalto. Ninguém lhe quis roubar nada senão aquilo que ele tinha de mais precioso: a sua voz livre, a sua vontade de intervir activamente na vida do seu país, na felicidade do seu povo.”</p>
<p>Nessa semana o The Guardian[6] noticiou que o melhor e mais respeitado jornalista de investigação moçambicano tinha sido brutalmente assassinado e que o país se via assim privado de uma das poucas vozes críticas e atentas do país que com determinação e audácia promoveu incessantemente a liberdade de expressão, fomentando a livre circulação de informação que possibilitasse à população tomar decisões informadas e apelando, por último, a uma classe dirigente honesta e a uma democracia que favorecesse a igualdade. Moçambique viu a sua imagem de modelo de democracia emergente e de país africano livre que garantia o respeito pela liberdade de expressão desmantelada. O assassinato do editor do jornal Metical representou o declinar de uma as bandeiras mais reverenciadas do regime: a liberdade de imprensa.</p>
<p>…Então<br />
com a raiva intacta resgatada à dor<br />
danço no coração um xigubo guerreiro<br />
e clandestinamente soletro a utopia invicta</p>
<p>À noite quando me deito em Maputo<br />
não preciso de rezar<br />
já sou herói…</p>
<p>(Excerto do poema “Cidade 1985”, de Carlos Cardoso)</p>
na obra
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