Andreia Santana | the outcast manufacturers
16.nov.2018 | 05.jan.2019
Press
Press Release
<p>ANDREIA SANTANA<br />
the outcast manufacturers<br />
16.11.2018 – 05.01.2019</p>
<p>Inauguração 15.11.2018 às 21h30</p>
<p>A Galeria Filomena Soares tem o prazer de anunciar a primeira exposição individual da artista Andreia Santana intitulada the outcast manufacturers.</p>
<p>As mais recentes instalações de Andreia Santana inseridas na primeira exposição individual da artista na Galeria Filomena Soares, resultam da sua pesquisa atual em torno da obra do arquivista de objetos e investigador de fenómenos anómalos, William Corliss. Iniciada aquando em residência nos arquivos do Peabody Museum em Harvard.</p>
<p>Algumas notas sobre estranhos artefactos</p>
<p>Desenterrar um objeto e chamar-lhe artefacto. Colocá-lo junto de outros e atribuir-lhe um contexto. Criar uma narrativa e justificar a sua existência, explicando-o. Ou talvez, não fazer nada disto, devido a uma genuína incapacidade, ou relutância, em fazê-lo. Pouco importa.<br />
Quer “desenterremos” ou “enterremos”, o objeto em si permanece, a sua materialidade inquestionável; a sua forma incontestada.</p>
<p>__</p>
<p>O nosso objeto foi mantido numa gaveta, possivelmente numa cave climatizada. O que foi uma sorte. Muitos outros objetos nunca chegam a estas gavetas. São deixados ao abandono, no local onde foram encontrados, considerados irrelevantes. Mas o nosso foi salvo. Não numa daquelas vitrines de meados do século, tão autoritárias na sua arquitetura e apresentação.<br />
Ao invés disso, o nosso objeto foi impedido de merecer o seu lugar de visibilidade, de pertencer e produzir o discurso científico que lhe conferiria o estatuto de artefacto. Era uma cavilha redonda que se tentava encaixar na fresta quadrada da narrativa histórica.<br />
Enquanto tal, foi amaldiçoado com o pior destino que um objeto pode alcançar: a invisibilidade.</p>
<p>Eventualmente, perdemo-lo. Não o perdemos literalmente, como é óbvio. Esquecemo-nos de onde estava ou até de como encontrá-lo. Foi uma epítome sobre a invisibilidade: é impossível encontrar aquilo que não tem sombra. No entanto, algo permaneceu, como é, frequentemente, o caso. Vestígios são sempre deixados para trás. Pegadas narrativas, se quisermos. Antes do seu desaparecimento, o nosso objeto havia sido inventariado. Foi desenhado, fotografado e tentativas foram feitas em várias ocasiões para explicar a sua existência ou, pelo menos, para lhe atribuir uma função. Tentaram fazer o buraco mais redondo para que a cavilha se adequasse, mas o buraco parecia nunca ser redondo o suficiente.</p>
<p>O que importa é, que apesar do seu aparente desaparecimento do mundo material dos artefactos, sem nunca ter tido a oportunidade de se tornar um, o nosso objeto foi substituído por um relato escrito da sua própria improbabilidade. Pode-se pensar no estranho caso do objeto que se tornou invisível como mito – conhecimento científico dos velhos tempos de pesquisa arqueológica e etnográfica. Ou como alguma circunstância bizarra, irrepetível e inexplicável.</p>
<p>Este facto, que poderá parecer surpreendente, também não o é. Na verdade, aconteceu e ainda acontece com bastante frequência. Tão frequentemente que, ao longo dos séculos, uma coleção inteira de objetos anómalos foi negligenciada. Alguns foram efetivamente esquecidos, o que não é a mesma coisa, mas tentar distinguir entre invisibilidade e esquecimento, nestas circunstâncias tão específicas, não nos levará a lugar algum.</p>
<p>Digamos que, toda uma população de objetos se tornou invisível aos olhos daqueles que os encontraram e, consequentemente, aos olhos de todos. Centenas de objetos, milhares ou até milhões de objetos por todo o mundo. Eles permanecem inexplicados e a sua contribuição para o mundo é inexistente.</p>
<p>Ou assim nos levaram a acreditar.</p>
<p>Tal como acontece com o nosso objeto, muitos volumes foram produzidos numa tentativa de analisar outros objetos insólitos, as suas qualidades de “quase-artefactos”, a sua total incapacidade de expressar qualquer tipo de história articulada sobre si mesmos e o seu eventual desaparecimento do mundo.<br />
O objeto inexplicável, o objeto incomum, o objeto bizarro, o objeto excêntrico; todos foram compilados em grandes volumes, introduzidos em bibliotecas, impressionando os leitores e, deixando claro o quão pouco a ciência é capaz de explicar ou o quanto ainda existe para explicar. Era uma masterclass em não saber.<br />
No entanto, em pouco tempo, o interesse começara a diminuir e todos estes volumes entraram no esquecimento. A questão não era de como as ciências tinham ou não encontrado as respostas levantadas pelo desaparecimento dos objetos mas sim, a genuína falta de interesse no seu desaparecimento. O que não tem sombra, não tem sombra. E da mesma maneira que nossos objetos se perderam, todos estes volumes se tornaram invisíveis.</p>
<p>E esta história poderia terminar aqui: o ciclo da invisibilidade. Se não fosse pela natureza irreprimível do presente. Objetos que são desenterrados e mais tarde dados como desaparecidos, deixando para trás nada mais que alguns vestígios da sua corporalidade. Vestígios, que se transformam eles mesmos em objetos ou meta-objetos, iniciando a metáfora da ideia de circularidade, evocada pela imagem do ouroboros.<br />
Não é, para nós, surpresa que o tempo que produziu o mundo online tenha desenvolvido um gosto específico pelo funcionamento interno e externo do arquivo. Ao contrário do mundo físico, a internet não esquece. Esta nova paisagem trouxe consigo a implementação de uma nova miríade de estratégias de relacionamento com os nossos estranhos objetos bem como, ferramentas que pareciam ter o poder de causar um curto-circuito neste ciclo de invisibilidade.</p>
<p>A única coisa que resta fazer parece ser tentar resgatá-los do estado permanente de invisibilidade para o qual foram votados. Mas como fazê-lo? A crítica e a autorreflexão apresentam-se como escassas e a repetição e a reprodução produzem apenas mais ruído de fundo. Performatividade, re-encenação, apropriação e citação, por outro lado, parecem ter o potencial necessário para dar a este arquivo um poderoso arranque na direção certa. E, para o que mais diretamente nos interessa, poderiam ser o veículo através do qual, os traços dos objetos bem como, os das publicações que os consideram, seriam rastreados e trazidos de volta ao mundo físico e ao domínio da visibilidade. Contudo, a sua representação surge não enquanto réplicas (já que ninguém pode reproduzir o que não tem sombra), mas como blocos de construção num léxico totalmente novo.<br />
Os vestígios desvanecidos, que haviam chegado dos muitos volumes sobre os nossos estranhos objetos, serviram como material de origem e constituem uma gramática a partir da qual novas narrativas são criadas. Estes novos objetos criados têm um potencial para iniciar discursos que os originários nunca foram capazes de alcançar; não querendo isto significar que os novos objetos são melhores que os originais – qualquer comparação é absurda e não serviria a nenhum propósito – o que é relevante mencionar, é que esses novos objetos adquirem algo que os originais nunca conseguiram.<br />
Os nossos objetos, por meio da sua habilidade narrativa, alcançam o estatuto de artefactos, tornam-se visíveis. No entanto, essa visibilidade não tem semelhança.</p>
<p>Estranhos artefactos que são capazes de refletir uma sombra.</p>
<p>João Mourão e Luís Silva</p>